3.31.2003

É verdade



Notícias da guerra

Aconteceu outra vez. Como em todas as guerras, a primeira vítima da invasão do Iraque foi a Verdade. Ela foi ferida nos primeiros minutos de luta e quando deu entrada no hospital do Kuwait - ou num hospital de campanha montado dentro do território iraquiano, as versões divergem - já estava morta. Foi atingida por um solado iraquiano disfarçado de civil, por "fogo amigo" dos aliados, por uma mina terrestre iraquiana, por uma bala perdida de origem desconhecida, por um míssil disparado pelos americanos contra Bagdá que se perdeu e a feriu junto com outros dez inocentes, por um míssil disparado pelos iraquianos contra o Kuwait que também se perdeu e a feriu junto com outros 20 inocentes - depende de quem faz o relato. Era morena ou loira, alta ou baixa, magra ou gorda, casada ou solteira ou tudo isso ao mesmo tempo. Sacrificou-se pela libertação do povo oprimido do Iraque ou foi uma vítima da criminosa agressão ao povo do Iraque. Famílias diferentes foram notificadas da sua morte e brigaram pelos seus restos mortais, cada uma reivindicando o corpo para si, inclusive com documentos, certidões, fichas dentárias, etc., sem chegarem a um acordo. É sempre assim. Já se convencionou que só há uma maneira de saber ao certo de quem é, afinal, a Verdade: esperar o fim da guerra para que o vencedor possa, com calma, descrevê-la em detalhes, identificar sinais de nascença e velhas cicatrizes, e acabar com todas as dúvidas. A História mostra que nesses casos a Verdade era sempre do vencedor. E se não era, ficava sendo.

3.21.2003

You know the world is going crazy when:
- the best rapper is a white guy,
- the best golfer is a black guy,
- the Swiss hold the America's Cup,
- France is accusing the US of arrogance and
- Germany doesn't want to go to war."

3.20.2003

Ouvindo várias versões: Tonico e Tinoco, Renato Teixeira & Pena Branca & Xavantinho, Quarteto em CY, Uakti, Banda Pau e Corda. Bem bonita a música.

O Cio da Terra

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão

Antes de tudo, não é o meu caso, hoje =)

RESSACA

Acordo. Ou melhor, sou retirado de um turbilhão confuso de pensamentos e lembranças que precisariam de mais umas quatro horas para que fossem hamados de sono, pelo blá blá bla longínquo de um locutor de radio que saia do radio relógio mal sintonizado. Entre isto e acordar ha um abismo de diferença. Sento na cama.

Imediatamente o quarto dá uma volta completa em torno do que restou do meu fígado e eu lembro que estou de ressaca. O giro do quarto somado a sensação de que estou vestindo uma meia de algodão na língua estimulam o meu primeiro pensamento lúcido do dia, e talvez um dos únicos: puta-que-pariu!

Depois de deitar e levantar umas 10 vezes, em uma duvida cruel entre pedir demissão para dormir mais um pouco e chegar ate o chuveiro para salvar o meu emprego, decido manter-me no mercado de trabalho e vou cambaleando até o banheiro.

Faço uma parada no corredor e tomo 750ml de água no bico da garrafa térmica. Os 250ml restantes escorrem pelos cantos da boca molhando a minha camiseta "Jânio Quadros Prefeito 85". Chego ate o espelho do banheiro, vejo o meu reflexo com um misto de pena e uma expressão do tipo depois-eu-converso-com-voce-bicho. Dou aquela checada no panceps - aquele músculo logo abaixo do abdômen, mas nem me dou o trabalho de encolhê-lo.

Preguiçosamente começo a escovar os dentes. A secura da desidratação alcoólica molhada pela água ha pouco ingerida formaram uma gosma espessa de cuspe que em contato com a pasta de dentes começa a produzir uma quantidade inominável de espuma na minha boca. Depois de quase engasgar, entro no chuveiro determinado a tomar um banho gelado.

Mas ainda não foi desta vez. Eu tenho alguns pensamentos recorrentes quando estou de ressaca, como a obrigação auto-impingida de tomar um banho frio, parar de fumar pelas próximas três semanas, e outras mais comuns. E claro que, como toda promessa de ressaca, no dia seguinte você esta fazendo tudo de novo.

Mas uma coisa que eu nunca consegui foi tomar banho gelado para curar bebedeira. Claro que não estou contando aquele banho de roupa que sua mãe ou avó, ou tia, ou namorada, ou irmão te deu quando você tomou o primeiro fogo. Ah! O primeiro porre! Este passaporte de entrada para um universo que começa em euforia, termina em arrependimento e tem uma complicada contabilidade de horas de sono no meio.

Este universo com o qual você vai conviver durante toda a sua vida adulta, só saindo dele através de um SIM proferido em uma igreja, templo, mesquita, ou qualquer que seja o foro apropriado da sua religião.

E olhe lá! Este universo que -- você só vai perceber quando for tarde demais, consome todo aquele dinheiro do plano de previdência privada que você nunca fez, apesar das constantes investidas da sua gerente do banco. O universo do macho solteiro.

Quando volto a mim, ainda estou debaixo do chuveiro com os olhos fixos em nada, divagando sobre estas e mais uma porção de outras bobagens. Recomeço a função mecânica matinal, um tanto prejudicada por um conflito inequívoco de hardware. Ao lavar os olhos, só consigo deixá-los mais vermelhos, já que com tão poucas horas de sono o corpo nem deu tempo de produzir remela (ou ramela, eu nunca sei) suficiente.

E ai você começa a lembrar da noite anterior. E ai começam os seus problemas. A coreografia de "Ganso do Sargentelli" que você fez para as amigas da sua prima. Aquela hora que você acreditou piamente que era o cara mais bonito do lugar e ficou trocando olhares com todas as mulheres -- você, de sedução, elas, de desprezo ou piedade. Aquele beijo que você tentou arrancar a forca da garota mais feia do lugar, e não conseguiu.

E finalmente, aquele momento em que você se tornou milionário, pediu uma garrafa de Taittinger para brincar de pódio de Formula 1 cantando tã tã tã!) e encerrou a noite deixando o restante do seu salário em um prostíbulo de luxo, não sem antes tentar sexo gratuito com todas as "amigas" da casa (afinal de contas você ainda era o cara mais tesudo da cidade).

Dai para frente, só o que você vai sentir ao longo do dia são pequenas dores - morais e físicas, causadas pela noite anterior. A taquicardia provocada pela quantidade paquidérmica de energéticos que você ingeriu. O telefonema da sua gerente do banco dizendo que só aumenta o seu já estourado limite se você fizer o tal do plano de previdência. O maço de cigarros todo úmido e amassado que você insiste em manter no bolso mesmo que jure para si mesmo que vai parar de fumar -- ate que, depois de fingir que trabalhava o dia inteiro, chega o final do expediente, toca o telefone e você ouve aquela voz familiar: Faaaaala! Onde é a baladinha hoje?

3.05.2003

Língua de Trapo - Concheta
Carlos Melo e Cassiano Roda
(1982) - 6578852-2

Querida Concheta, estô a te ligare
Pra te convidare, pra manjare con me
Comê unas brachola, queijo provolone
E na radiola, a Rita Pavone
Dispois unas pizza, tipo califórnia
Tutte mezza a mezza, ma que bruta esbórnia

Concheta, vita mia, ricorda aquele giorno que nós fumo no ristorante, no ristornate do Grupo Sérgio e ocê parlô per me: facchiano I'amore lá no meu beliche. E eu te diche: má logo agora que misturei cocomero com aliche, ocê vem me falá em amore, em séquiço, que eu tô com una bruta dolore no duodeno... E ocê parlô per me: vá! má me toma um sar de fruta Eno. E a dolore foi aumentando, eumentando, aumentando e io gritei pro garçon:

Chega de spaghetti,
Suspende a escarola
Leva o capelletti
Tira o gorgonzola
Traz um sar de fruta
Dio, Dio tutta meia
Questa pastasciutta
Meu deu diarréia